Idealmente, nossos relacionamentos devem nos beneficiar e nos aceitar como somos. Contudo, pessoas com um estilo de apego ansioso frequentemente enfrentam uma intensa inquietação física e emocional que pode ser desencadeada por situações de desconexão ou percebido abandono. Essa sensação de ansiedade não é simplesmente um estado emocional passageiro, mas uma resposta profunda do sistema nervoso autônomo, preparado desde a infância para reagir a essas situações.
A compreensão desse mecanismo foi significativamente influenciada pelo trabalho do Dr. Stephen Porges, especialmente sua teoria polivagal, que postula que a conexão é um imperativo biológico. Isso significa que, tanto neurobiologicamente quanto psicologicamente, estamos programados para estabelecer vínculos. Porges desenvolveu o conceito de neurocepção para descrever como nosso sistema nervoso detecta se estamos seguros ou não, funcionando como um radar que constantemente avalia o ambiente ao redor.
Esse sistema de percepção pode ativar diferentes ramos do sistema nervoso autônomo, que nos preparam para reagir de maneiras específicas. Quando nos sentimos seguros, o ramo ventral do sistema nervoso autônomo é ativado, o que facilita a conexão e a interação social calorosa. Esse estado ventral nos ajuda a estar abertos e disponíveis para os outros, melhorando nossa capacidade de comunicação e expressão emocional.
Por outro lado, quando percebemos uma ameaça ou potencial abandono, como no caso descrito em relação ao ex-marido, outro ramo é ativado – o simpático. Este é conhecido por desencadear a reação de luta ou fuga, preparando o corpo para enfrentar ou escapar de perigos percebidos. Essa ativação pode resultar em comportamentos como enviar mensagens incessantemente, tentativas desesperadas de chamar a atenção, e até comportamentos de vigilância extrema, como monitorar a localização do parceiro.
Interessante notar que essas reações podem, por sua vez, induzir respostas similares em outras pessoas, criando um ciclo de reações de luta ou fuga que dificulta ainda mais a conexão e a resolução de conflitos. Se um parceiro reage com fuga, por exemplo, isso pode intensificar a reação de luta do outro, levando a uma dinâmica relacional complicada e muitas vezes dolorosa.
Existe ainda uma terceira via de reação no sistema nervoso autônomo, que é ativada em situações de extrema ameaça, onde se sente totalmente desamparado. Essa via, o ramo dorsal, leva a uma espécie de desligamento emocional e físico, como uma forma de hibernação para conservar energia diante do perigo extremo. Esse estado pode ser ilustrado pelo comportamento de um bebê que, após chorar por atenção e não ser atendido, cala-se num desespero silencioso e resignado.
Nos momentos em que o relacionamento parecia irremediavelmente comprometido, a pessoa descreveu desejos de se fechar completamente e de desaparecer, reflexo da ativação dessa reação dorsal. Essa é uma tentativa do corpo de se proteger do trauma emocional intensificando o retiro social e emocional, tornando-se “invisível” para evitar mais dor.
Essas dinâmicas ilustram como as respostas do nosso sistema nervoso, moldadas por experiências passadas e pela necessidade biológica de conexão, desempenham um papel crucial na forma como vivenciamos nossos relacionamentos. Entender esses mecanismos não apenas esclarece os desafios enfrentados por aqueles com apego ansioso mas também oferece caminhos para a autocompaixão e estratégias mais eficazes de regulação emocional e interação social.
O desenvolvimento do sistema nervoso autônomo (SNA) começa no útero, sendo influenciado pelo estado emocional da mãe. Se ela estiver relaxada e feliz, isso ajuda a formar um SNA que percebe o mundo como seguro. Por outro lado, se a mãe está frequentemente ansiosa, o bebê pode nascer inclinado a sentir medo. Essa programação inicial do SNA é crucial porque ela fundamenta como percebemos segurança ou ameaça em nossas relações futuras.
Desde os primeiros momentos após o nascimento, a interação com a mãe ou cuidador principal desempenha um papel significativo no desenvolvimento emocional e na regulação do SNA. Essa interação é frequentemente descrita como uma “dança diádica de conexão”, onde o bebê e a mãe se ajustam mutuamente em um processo chamado corregulação. Se o bebê chora e a mãe responde adequadamente com conforto ou alimentação, isso reforça no bebê a sensação de que suas necessidades serão atendidas. Essa experiência de ter suas necessidades respondidas eficientemente ajuda a criança a desenvolver um sentido de segurança e a capacidade de regular suas próprias emoções mais tarde na vida.
Por outro lado, se a mãe está emocionalmente indisponível ou inconsistente devido a seus próprios problemas, como depressão ou ansiedade, isso pode levar o bebê a desenvolver um estilo de apego ansioso. Nesses casos, a criança aprende que suas necessidades podem não ser atendidas de maneira confiável, o que pode resultar em um SNA que está constantemente em alerta para sinais de rejeição ou abandono.
Este padrão de apego ansioso foi vivenciado pela pessoa que narra sua história de vida, onde suas reações de medo e comportamentos extremos em relacionamentos eram uma tentativa de manter a conexão com o parceiro. Isso incluiu comportamentos como enviar mensagens incessantes e até vigiar a casa do ex-marido. Essas ações, embora desesperadas e vistas como irracionais, eram tentativas de lidar com o medo profundo de abandono, enraizado em experiências de infância.
No entanto, o conhecimento sobre a neuroplasticidade oferece esperança. O cérebro tem a capacidade de formar novos circuitos neurais em qualquer idade, o que significa que as pessoas podem aprender novas maneiras de regular suas emoções e responder a sinais de ameaça. Ao experimentar relacionamentos cuidadosos e tranquilizadores na vida adulta, as pessoas podem começar a internalizar sentimentos de segurança que talvez não tenham tido na infância. Isso pode levar a uma mudança significativa na maneira como respondem às situações, permitindo-lhes sentir-se seguras mesmo em circunstâncias anteriormente percebidas como ameaçadoras.
À medida que essas novas experiências ajudam a formar conexões mais saudáveis no cérebro, as respostas automáticas de luta ou fuga começam a diminuir. Isso permite que a pessoa observe e entenda suas reações físicas sem agir impulsivamente com base nelas. Eventualmente, isso pode levar a uma reprogramação do SNA, onde reações de medo ou pânico são substituídas por respostas mais moderadas e racionais. Com o tempo, essa nova programação ajuda a pessoa a desenvolver uma autoimagem mais positiva e a estabelecer conexões mais profundas e satisfatórias com os outros.
Essas mudanças não apenas melhoram a qualidade dos relacionamentos, mas também reforçam a autoestima e a autoaceitação, transformando a forma como a pessoa se vê e interage com o mundo ao seu redor. Ao aprender a interpretar ações como a falta de resposta imediata a uma mensagem como algo trivial, como o parceiro estar ocupado no trabalho, em vez de um prenúncio de rejeição, a pessoa pode finalmente experimentar um estado de conexão e segurança que antes parecia inatingível.
